O Real Resiste

Sobre o projeto

O REAL

é o mote para o ato de resistência.

Uma iniciativa surge da urgência de romper com a atual censura e sucateamento da arte: ocupar poeticamente os vazios urbanos consequentes do período pandêmico. O vigente projeto de poder não só trata as pessoas de maneira estatística, como vai além: nega os próprios números. Para enfrentar tamanho descaso, esta intervenção reúne 33 artistas com o intuito de construir uma ação pluriperspectivística, pois confiamos em uma força coletiva, inclusiva, diversa e atenta.

Não se trata de, preguiçosamente, difundir mais de 150 cartazes pelas ruas em busca do espetáculo, mas de promover um gesto reflexivo acerca da cidade do Rio de Janeiro. Acreditamos que este seja um ato urgente e visceral para quem acredita no valor da arte como aliada crítica, (cri)ativa e permanente da vida. Essa construção nasce da possibilidade de, juntos, veicularmos a pluralidade de linguagens, vivências e conflitos de modo que esses dizeres possam reverberar pelas esquinas, cantos, corredores e cruzamentos da urbe.

Cada lambe-lambe é uma espécie de lampejo capaz de mostrar o que estava sendo velado. Seu caráter efêmero denuncia a temporalidade presente nos muros, pois o que antes foi colado, pixado, desenhado, fixado e pintado, deixa rastros, transforma o espaço e atravessa os demais agentes. A sobreposição de camadas revela as coexistências e desmoraliza visões binarias da realidade, porquanto cria um emaranhado de complexidades.

A obra de Carlito Carvalhosa reafirma a ideia de palimpsesto, criando vazios e se permitindo ser afetada pelas preexistências. Os trabalhos de Arnaldo Antunes e Marcos Chaves levam a potência clandestina da ação até as últimas consequências, dado que revelam o óbvio e, por isso mesmo, deixam marcas no mundo da pós-verdade. Tais criações, assim como as de Carlos Vergara e Clarice Rosadas, também discutem sobre o limiar latente entre a vida e a morte. Diante dessa inquietação, Tom Valentim, Saulo Nicolai, Josiane Santana, Carolina Kasting, Criola, Maria Flexa, Joyce Piñeiro e Elana Paulino trazem questões ligadas ao lugar de fala e aos corpos considerados “outros” em nossa sociedade. Elana também aponta na direção do que Walter Carvalho, Marina Wisnik e Omar Brito carregam como crítica aos mecanismos de uma cidade estilhaçada e dotada de uma sistêmica irresponsabilidade social. Já Antonio Bokel, Elvis Almeida e Mateu Velasco tratam, de maneira provocativa, da informalidade do cotidiano urbano. A constante repressão aos fazeres artísticos e o descaso dos governos com as instituições é levantado mais diretamente por Pedro Sánchez, João Sánchez e Chelpa Ferro. No sentido vertiginoso da realidade, Raul Mourão, Cabelo e Marcelo Macedo miram no Estado atual. A partir desse lugar, Catarina Lins e Gabriela Marcondes convocam o público a refletir e a agir diante do absurdo. De maneira esperançada, mas não ingênua, Rafael Gomes, Leo Gandelman e Ana Calzavara falam do porvir.

Ailton Krenak nos ensina que, para alguns povos indígenas, o futuro está atrás (por se tratar de um nevoeiro de incessantes incógnitas), enquanto o passado está a frente (porque o conhecemos e reconhecemos). Isso torna explicito que a tentativa de unir esforços para construir um outro amanhã se faz indispensável e constante. Mesmo quando o último vestígio dos cartazes tiver sumido, eles estarão presentes no imaginário urbano, pois como diria Saramago, são uma “porta que se abre para deixar entrar o que ainda não sucedeu”.

As criações artísticas são embriões de futuro; o amanhã

RESISTE